quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Das coisas que os olhos não vêem - parte 1

Hoje acabou o curso que eu estava fazendo lá pelo estágio. Pra quem não sabe, esse foi um curso de introdução à Justiça Restaurativa promovida pelo projeto onde eu estou a fazer edição de vídeo enquanto não me aparece nenhum estágio em PP. Por algum motivo meus chefes decidiram que seria bom se eu participasse das aulas e foi assim que acabei me vendo ali, mera aspirante a publicitária, em uma turma de 40 professores, psicólogos, assistentes sociais, advogados e policiais, discutindo modos de resolução pacífica de conflitos.
A cada aula meus "colegas" traziam para discussão exemplos do seu dia-a-dia profissional que ia desde escolas públicas e particulares até o presídio central, passando por diversos intermediários que eu nem sabia que existiam. Toda a quinta-feira eu ouvia alguma história atordoante e achava que escreveria uma reflexão a respeito aqui no blógue, mas até chegar em casa acabava desistindo. Desistia, simplesmente, porque por mais que eu pensasse sobre ela, não conseguia encontrar palavras para traduzir a história em pensamentos racionais. De fato, "racional" não me parece ser um termo que defina qualquer uma das histórias que tenho ouvido nos últimos 2 meses.
Enfim, o curso acabou e agora já é tarde pra querer resgatar alguma delas a fundo. Por um lado é bom: assim eu me livro da idéia de parar para refletir sobre tudo isso. Por outro lado, não refletir me dá aquela conhecida sensação de covardia, aquela sensação motivada pelas condições que reconheci ao falar no encerramento do curso: as condições de fingida cegueira e pretensa ignorância nas quais me enquadro como parte da sociedade "normal".
Talvez para não ter que assumir minha covardia, resolvi fazer aqui um meio termo. Não vou escrever sobre o que ouvi - não pretendo tanto. Vou apenas resgatar um ou outro relatos, aqueles que mais me marcaram, e reescrevê-los ao longo das próximas semanas, da maneira mais fiel que minha memória permitir. As reflexões ficam a cargo de quem ler.
Em tempo: não conheço nomes, lugares nem referências para nenhum desses fatos. E se soubesse, também não os citaria aqui.

***

Uma professora trouxe um texto escrito por um menino de 10 anos, cursando a segunda série e ainda com dificuldades na alfabetização. Não foi uma atividade de aula, foi só um momento meio solto, em que a professora alcançou a ele um pedaço de papel e ele começou a escrever. Não me lembro as palavras exatas, mas o conteúdo dizia mais ou menos assim:
O susto na pracinha.
Um dia um homem chegou armado numa casa. Ele começou a atirar. Um homem levou 36 balas. O outro tomou 40. Tinha muito sangue. O traficante chegou e mandou todo mundo ir embora. Eu corri e não tive medo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os tempos estão mudando.

Essa eu ouvi de uma aluna do 2º semestre.

"Eu tou tendo aula com a Rosa Nívea agora, mas ela nunca largou uma pérola. Minha turma tá esperando o semestre inteiro, e até agora nada. E o Milman tá tri bonzinho, é o melhor professor que tenho esse semestre. Aprendi um monte de semiologia com ele."

é..... a fabico já não é mais a mesma.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Isso que eu chamo de pan.

Saiu ontem no Omelete

Japoneses lançam campanha para legalizar casamento com personagens de mangá

Fãs japoneses de mangá estão se mobilizando para requisitar ao governo de seu país a legalização do casamento com personagens fictícios bidimensionais. Eles querem se casar com personagens de quadrinhos. O movimento, liderado por Taichi Takashita, pode parecer brincadeira, mas leva-se a sério. Takashita iniciou uma petição online que planeja alcançar 1 milhão de assinaturas. No momento, com pouco mais de uma semana no ar, já há mais de mil assinaturas.
A petição reflete o atual estado da cultura otaku - fãs devotos de mangás, games e anime -, que querem desligar-se da realidade. Takashita escreve na petição: "Não estou mais interessado em três dimensões. Gostaria mesmo é de tornar-me habitante do mundo bidimensional. Contudo, isto parece impossível com a tecnologia atual. Desta forma, seria possível pelo menos ter autorização legal para casar com um personagem bidimensional?".
Vale lembrar que o Japão tem, atualmente, um primeiro-ministro fã de mangás. O governo, porém, não respondeu à petição.


Agora eu pergunto:
1. Quem diz o "aceito" no momento da cerimônia ?
2. Como o casal feliz vai resolver a noite de núpcias ?
3. O filho de um mangá com um humano é um... ?
4. Eles podem passear de mãos dadas no shopping?
5. E o divórcio entre um mangá e um humano, será permitido?
6. E a mais impressionante de todas: MIL PESSOAS TIVERAM A CAPACIDADE DE ASSINAR ISSO?

Depois falam que Brasileiro é ruim da cabeça...

sábado, 1 de novembro de 2008

A tia do Ru

O maior susto que eu levei na volta pra Úrguis foi conhecer a nova tia do RU. Naquele fim de manhã eu achava estar me encaminhando para mais um almoço normal de um dia normal. A fila era normal, a pressa era normal, as moedinhas contadas no subir das escadas eram normais e a moça do segundo guichê, embora eu nunca a tivesse visto, parecia ser normal. Me aproximei do balcão, entreguei as moedinhas, passei o cartão peguei o troco e o bilhete de suco, tudo isso da forma mais normal, e já me encaminhava normalmente para a catraca quando ouvi, quase às minhas costas, algo um tanto anormal: "obrigada, Judite!", disse ela com um sorriso. Confesso que levei uma fração de segundos para entender o que estava acontecendo. Sorri de volta, meio atordoada e segui adiante pensando que nunca antes, em 5 anos de casa, eu tinha me dado conta de que o meu nome aparece todo o dia junto com a minha foto quando eu passo o cartão no caixa. Sempre apareceu.
Não pude deixar de me perguntar o que tinha acontecido com a moça. Estaria num dia extremamente feliz? Sim, só podia ser isso. Enfim, ela (assim como as outras tias do RU) era paga para cobrar pelos almoços, não para ser simpática. Era inconcebível que sorrisse todos os dias e agradecesse a cada giro da catraca. Mas nos dias que se seguiram comecei a observar que o sorriso imenso não saía nunca do rosto dela. E a vontade que, depois do primeiro almoço, me deu de cair sempre no guichê da moça só para ser bem atendida e poder sorrir de volta para um ser desconhecido, começou a virar uma espécie de receio. Aos poucos notei que, por algum motivo meio incompreensível aquela profusão de felicidade pouco a pouco me deixava constrangida. Enfim, qual era o problema dela? Que tipo de pessoa consegue desprender tanta alegria cobrando almoços de estudantes? Aquilo não podia estar certo!
Até que um dia ela sumiu. Uma menina mais convencional assumiu o lugar e eu pensei, um pouco mais tranqüila, que agora tudo fazia sentido. Uma pessoa tão feliz não agüentaria muito tempo naquele emprego. A moça alegre tinha saído em busca de algo que desse vazão a sua incessável felicidade. E voltei a almoçar normalmente, pagando pras tias normais, em dias normais, quieta com meus normais botões.
Qual não foi minha surpresa quando ontem, chegando perto do balcão, percebo que a moça feliz está de volta. E não, não deixou a felicidade de lado. Pelo contrário: agora, ao lado do seu monitor, ela colocou um plaquinha com o nome recortado. Se chama Viviane. Com os pingos dos Is em forma de coração. Acho que ela também quer que as pessoas que se lembram de agradecer pelo bilhete do suco a chamem pelo nome.
E meu almoço, mais uma vez, não foi tão normal assim. Fiquei tentando descobrir o que há por trás de tanta felicidade. Num desespero por resolver uma questão tão inexplicável, só me ocorriam teorias do estilo livros de auto-ajuda. Talvez fosse paciente de uma doença muito grave, ou acabou de sair de uma grande depressão, ou ainda escapou por um triz de um acidente que poderia ter sido fatal. Sim, tinha que ser isso. Só podia ser isso. Não tinha outra explicação.
Mas enquanto virava a bandeja pra alcançar melhor a sobremesa eu entendi. O que me constragia não era a felicidade da tia do RU. O que me contrangia era o fato de tanta felicidade me constranger.