sábado, 12 de abril de 2008

Pequeno comentário a sério - 5

Porque nem tudo são humoristas bregas e sensações de mega-fodissidade
Enquanto no Brasil o combate à dengue completa alguns aniversários cheios de persistentes campanhas de conscientização e mutirões de erradicação do mosquito, feito por trabalhadores pagos e por voluntários, no lado nobre do mundo as notícias sobre um tal de mosquito-tigre asiático, ou Aedes albopictus - parente próximo do Aedes aegypti - começam a chegar. O programa "pessoas da semana", uma espécie de Jô Soares mais sem-gracinha da Suábia, entrevistou essa semana um biólogo chamado Dr. Norbert Becker, que trouxe notícias a respeito deste tão temido mosquito e as suas doenças letais.
O Dr. Becker começou esclarecendo detalhes sobre o vetor e as doenças. Mostrar fotos, divulgar a aparência e encher o discurso com expressões apocalípticas foram os primeiros passos que reconheci com uma sensação quase de "estou em casa". Mas, como tudo aqui, não demorou para que também essa singela entrevista começasse a assumir um caráter... como dizer... diferenciado, talvez. Depois de o biólogo explicar aos caros telespectadores que o responsável pelo iminente fim dos tempos é um animal proveniente da Ásia e aconchegantemente adaptado também a África e América do Sul, e que estava perto de iniciar sua infiltração em terras européias trazido por imigrantes/viajantes provenientes de tais áreas, o moderador fez a clássica pergunta: e como podemos nos proteger deste mosquito? Me indireitei no sofá para aprender expressões novas, como "emborcar", "pratinhos de flores" e "água sanitária", em alemão. Sim, porque por mais diferentes que sejam os continentes, o modo de prevenção a uma doença em comum deve ser o mesmo, certo?
Errado. Na Alemanha o combate à dengue é feito através de inseticidas e telas nas janelas.
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Um dos primeiros posts da Pequena Lagartixa versava sobre minha admiração e respeito quanto ao espírito de "correteza" existente por esses pagos. Um mundo livre de catracas, o paraíso! Mas, como já tenho observado desde anos longínquos, para mim a primeira impressão costuma ser a que se vai. "Todo mundo tem uma consciência" foi realmente uma frase de impacto, mas um eufemismo. Um eufemismo para "todo mundo tem uma conta bancária e impostos a pagar". Porque toda essa "correteza" gira em torno da análise custo-benefício. É claro que aqui as catracas são dispensáveis. Porque quando o tio Murphy diz olá e o controlador aparece, não tem choro, vela e nem proprina que livrem um viajante clandestino de pagar a multa por não ter pago a passagem do trem. Uma das primeiras palavras novas aprendidas na prática foi "Pfand", segundo o Michaelis "Penhor" ou "Garantia", e que designa um preço acrescentado ao produto adquirido, a ser devolvido ao consumidor assim que este realizar uma determinada ação. Aqui existe Pfand pra tudo. Preciso de um carrinho de compras no supermercado? Deposito uma moedinha no cadeado, que me será restituída assim que eu devolver o carrinho ao seu devido lugar. E desse jeito, ó mágica!, não há carrinhos vazios abandonados entre as prateleiras nem nos estacionamentos! Preciso de um lugar no guarda-volumes da biblioteca? Por Pfand, tudo é possível! E assim a consciência faz como que os alunos liberem seus espaços no armário sempre que deixam o recinto. Alemanha é um país que chama a atenção por sua consciencia ecológica. A primeira coisa que as crianças aprendem, depois do gugudadá, é como se separa o lixo, e sua consciência origina nelas o bonito hábito de levá-lo pessoalmente aos contêineres da cidade. Ou era o que eu pensava até descobrir que, na verdade, o recolhimento de resíduos por parte da prefeitura é um serviço caríssimo para quem quiser botar suas sacolinhas na rua diasim-dianão.
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E vocês me perguntam: o que tem o cú a ver com as calças? No caso, minha resposta é: a origem.
E por origem eu considero aqui o individualismo - que é muito diferente de individualidade (não confundam freqüência com potência, meu caros!). Sim, se aqui o recolhimento de embalagens retornáveis é uma coisa que funciona, isto tem sua base na consciência dos cidadãos. Mas essa consciência não é a busca por descobrir o certo, o melhor ou o justo, como minha primeira visão deslumbrada por um mundo de esquilos e casinhas com jardins tinha me feito supor. Consciência é, no primeiro como no terceiro mundo, a busca por descobrir o que eu vou ganhar com isso. É óbvio que aqui se anda muito de trem e bicicleta: o preço da gasolina é uma das maiores queixas que se ouve no país!
Comecei a desconfiar disso quando descobri que aqui as doações de sangue ainda são feitas em troca de dinheiro. O que torna a palavra "doação" terrivelmente cínica.
Nesse contexto, não espanta a resposta do biólogo, nem o fato de, procurando pela entrevista no site da emissora eu só ter encontrado um levantamento das variedades de repelente existentes no mercado. Por que se preocupar com o tratamento da doença? Por que gastar energias desde agora na conscientização sobre métodos de erradicação do mosquito? Basta comprar meu repelente, cobrir minhas janelas, e se e o vizinho de baixo não quiser (ou não tiver dinheiro para) fazer o mesmo, problema é dele. Se ele pegar dengue, não sou eu que vou morrer. A não ser que medidas de prevenção sejam incluídas em lei e passíveis de multa, daí o meu vizinho que não ouse burlar o sistema - porque neste caso eu sairia perdendo, nem que fosse perdendo a chance de burlar também. Mas até lá, eu me tranco na minha casa ultra-protegida e deixo os mosquitos pro terceiro mundo.